19/12/2017

NOTA SOBRE UM PÁTHOS: E... E... EU... E... T... ET... EU TE... E... TEU... E...

O célebre poema do romeno Ghérasim Luca, “Eu te amo apaixonadamente” (Je t’aime passionnément), é dotado ou nos dota de uma gagueira inexorável e já não permite mais que reproduzamos o amor clichê – ou o clichê d’amor (je t’aime). Rouba-nos a certeza das palavras sulcadas de sentidos-mais-que-perfeitos, transbordando a obviedade. A cada linha tropeçamos nas palavras e nos significados, as frases se quebram e perdemos os sentidos, tamanha a paixão (páthos) evoca. Mas nas rachaduras dos versos, ali onde as palavras trincaram, podemos encontrar novo sentido, um sentido sempre titubeante: somos lançados ou impelidos a nos lançarmos (jettez) ao páthos, a sentir isso que já não se diz apenas como amor/paixão ou algo afim. A paixão (passion) torna-se negação (pas), torna-se passo (pas) que vaga por um caminho (pas) entre montanhas de significados... E que já não fala mais pela representação (de cada palavra encadeada em frase), e sim pela intensidade do gaguejar apaixonado. Ela expressa algo no tropeço e em frente aos olhos dramatiza-se um sentimento que já não pode se reduzir à sensação morna de amor – essa tornou-se algo singular em sua incompletude, algo sincero em sua fragmentariedade, algo presente em sua impossibilidade de fluir nos prados da obviedade. A gagueira de Luca inaugura uma sensação, dá língua a afetos que pedem passagem, dá ouvidos (atenciosos) à singularidade de um amor(-ainda)-sem-nome.