tag:blogger.com,1999:blog-88144958091822008522024-02-07T01:09:08.768-03:00[caderno de notas]"Quando escrevo, faço-o acima de tudo para transformar a mim mesmo e não pensar a mesma coisa que antes." - m.f.Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.comBlogger6125tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-3108165585179836852020-03-22T09:05:00.001-03:002020-03-22T09:26:36.510-03:00MONITORAR E PUNIR? SIM, POR FAVOR!<div style="text-align: right;">
<a href="https://www.nouvelobs.com/coronavirus-de-wuhan/20200318.OBS26237/tribune-surveiller-et-punir-oh-oui-s-il-vous-plait.html?utm_medium=Social&utm_source=Facebook#Echobox=1584553316">Slavoj Žižek</a><a href="https://www.nouvelobs.com/coronavirus-de-wuhan/20200318.OBS26237/tribune-surveiller-et-punir-oh-oui-s-il-vous-plait.html?utm_medium=Social&utm_source=Facebook#Echobox=1584553316">¹</a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Muitos
comentadores liberais e de esquerda têm notado como a epidemia de coronavírus
serve para justificar e legitimar medidas de controle e regulação da população
que eram, até agora, impensáveis em uma sociedade democrática ocidental. O
confinamento total da Itália não é um sonho erótico (<i>wet dream</i>)
totalitário tornando-se realidade? Não é de admirar que (ao menos da maneira
como isso parece agora) a China, que já tem amplamente praticado modos de
controle social digitalizados, tenha provado estar mais bem equipada para lidar
com epidemias catastróficas. Isso significa que, ao menos em alguns aspectos, a
China é nosso futuro? Aproximamo-nos de um Estado de Exceção Global? As
análises de Giorgio Agamben ganharam nova atualidade? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Não
surpreende que o próprio <a href="http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596584-o-estado-de-excecao-provocado-por-uma-emergencia-imotivada">Agamben </a>chegou a essa conclusão: ele reagiu à
epidemia de coronavírus de uma maneira radicalmente diferente da maioria dos
comentadores. Ele deplorou as “frenéticas, irracionais e totalmente imotivadas
medidas de emergência para uma suposta epidemia de coronavírus”, que seriam
apenas outra variante de gripe, e perguntou: “porque a mídia e as autoridades
estão se empenhando a espalhar um clima de pânico, provocando um verdadeiro e
próprio estado de exceção, com sérias limitações das movimentações e suspensão
do funcionamento normal das condições de vida e de trabalho em regiões inteiras?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Agamben vê
a principal razão para esse “comportamento tão desproporcional” na “crescente
tendência de usar o estado de exceção como paradigma normal de governo.” As
medidas impostas permitem ao governo limitar seriamente nossas liberdades por
um decreto do poder executivo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A
desproporção em relação ao que, segundo o CNR, é uma normal gripe, não muito
diferente daquelas recorrentes todos os anos, salta aos olhos. Parece quase
que, esgotado o terrorismo como causa de medidas de exceção, a invenção de uma
epidemia possa oferecer o pretexto ideal para ampliá-las além de todo limite.</span></blockquote>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> A segunda
razão “é o estado de medo que nos últimos anos foi evidentemente se difundindo
nas consciências dos indivíduos e que se traduz em uma verdadeira necessidade
de estados de pânico coletivo, para o qual a epidemia mais uma vez oferece o
pretexto ideal.” </span>Agamben
descreve um importante aspecto do funcionamento do controle estatal em
epidemias em andamento. Mas há questões que permanecem abertas: Por que o poder
estatal estaria interessado em promover tal pânico, que é acompanhado de
desconfiança do poder estatal (“eles não têm jeito, não estão fazendo o
suficiente...”) e que perturba a suave reprodução do capital? Realmente faz
parte do interesse do capital e do poder estatal desencadear uma crise
econômica global para revigorar seu reinado? Os sinais evidentes de que não são
apenas as pessoas comuns, mas também o poder estatal que está em pânico, pois
completamente ciente de não ser capaz de controlar a situação – estes sinais são
realmente apenas um estratagema?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> A reação de
Agamben é a forma estrema de uma generalizada postura de leitura de esquerda do
“pânico exagerado” causado pela propagação do vírus como uma mistura de
exercício de poder de controle social e elementos de absoluto racismo (“é culpa
da natura ou da China). Entretanto, tal interpretação social não faz a
realidade da ameaça desaparecer. Isso realmente nos compele a restringir nossas
liberdades? Quarentenas e medidas similares, claro, limita nossa liberdade, e novos
“Julians Assanges” são necessários para revelar seus possíveis abusos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas a ameaça da infecção viral também dá um
tremendo impulso para novas formas de solidariedades locais e globais, além
deixar clara a necessidade de controle sobre o próprio poder. As pessoas estão
certas em manter a responsabilidade do poder estatal: você tem o poder, agora
mostre-nos o que você pode fazer! O desafio que a Europa encara é provar que o
que a China fez pode ser feito de uma maneira mais transparente e democrática: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">A China
introduziu medidas que a Europa Ocidental e os EUA provavelmente não
tolerariam, quiçá em detrimento deles mesmos. Mas francamente, é um equívoco
interpretar reflexivamente todas as formas de detecção e modelização como
“vigilância” e governança ativa como “controle social”. Precisamos de um
vocabulário diferente e mais nuançado das intervenções.²</span></blockquote>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Tudo se
articula em torno desse “vocabulário mais nuançado”: as medidas necessitadas
por uma epidemia não deveriam ser automaticamente reduzidas ao paradigma
habitual da vigilância e do controle propagada por pensadores como Michel
Foucault. O que temo hoje mais do que as medidas utilizadas pela China (e
Itália e...) é que eles utilizem essas medidas de um modo que não funcionará
para conter a epidemia, enquanto as autoridades manipulam e escondem os
verdadeiros dados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Tanto a
Direita Alternativa quanto a Esquerda <i>Fake </i>recusam-se a aceitar a plena
realidade da epidemia, o que a dilui em um exercício de redução
socioconstrutivista, isto é, denunciando-a por conta de seu sentido social.
Donald Trump e seus partidários repetidamente insistem que a epidemia é uma
trama dos Democratas e da China para fazê-lo perder as próximas eleições,
enquanto alguns da Esquerda denunciam as medidas propostas pelos aparatos estatais
e de saúde como sendo contaminadas por xenofobia e, portanto, insistem em
apartar as mãos, etc. Tal postura deixa escapar o paradoxo: não apertar as mãos
e isolar-se quando necessário <i>é</i> forma atual de solidariedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Quem, hoje,
estará em condições de apertar as mãos e abraçar? Os privilegiados. O
“Decamerão” de Giovanni Boccaccio é composto de histórias contadas por um grupo
de sete mulheres jovens e três homens jovens protegidos em um vilarejo isolado
nos aforas de Florença para escapar à peste que afligia a cidade. A elite
financeira se retirará em zonas isoladas, deleitando-se a contar histórias ao
estilo “Decamerão”. (Os ultra-ricos já estão migrando com aviões particulares
para pequenas ilhas exclusivas no Caribe.) [...]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> O que me
parece especialmente incômodo é como, quando a mídia anuncia algum confinamento
ou cancelamento, eles, via de regra, adicional uma limitação temporal fixa: uma
fórmula “as escolas estarão fechadas até 4 de abril”. A grande expectativa é
que, depois do pico que deve chegar logo, as coisas retornaram ao normal. Nesse
sentido, já fui informado que um simpósio da universidade foi adiado para
setembro... A armadilha é que, mesmo quando a vida finalmente retornar ao
normal, não será o mesmo normal ao que estávamos acostumados antes do surto:
coisas a que estávamos acostumados como sendo parte da vida cotidiana não mais
poderão ser tomadas como garantidas; teremos que aprender a viver uma vida
muito mais frágil com constantes ameaças, espreitando-nos na esquina. [...]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Então,
teremos todos que mudar inteiramente nossa postura frente a vida, frente nossa
existência como seres vivos entre outras formas de vida. Em outras palavras, se
entendemos “filosofia” como o nome para nossa orientação básica na vida, teremos
de experimentar uma verdadeira revolução filosófica. [...]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Aqui
encontramos o que Hegel chamou de “juízo especulativo”, uma asserção de
identidade entre o mais alto e o mais baixo. O exemplo mais conhecido de Hegel
é o “Espírito é um osso” em sua análise da frenologia em “A Fenomenologia do
Espírito”, e nosso exemplo deveria ser o “Espírito é um vírus.” O espírito
humano também não seria uma espécie de vírus que parasita o animal humano,
explora-o para sua própria reprodução, às vezes ameaçando destruí-lo? E, dado
que o <i>medium</i> do espírito é a linguagem, não devemos esquecer que, em seu
nível mais elementar, linguagem é também algo mecânico, uma questão de regras
que temos de aprender e seguir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"> Richard
Dawkins afirmou que memes são “vírus da mente”, entidades parasitas que
“colonizam” a mente humana, usando-a como meio para multiplicar-se. É uma ideia
cujo autor não é ninguém menos que Liev Tolstói. [...] A categoria básica da
antropologia de Tolstói é <i>infecção</i>: um sujeito humano é um <i>medium </i>passivo
infectado por elementos culturais carregados de afectos que, como bacilos
contagiosos, propagado de um indivíduo a outro. E Tolstói nisso vai até o fim:
ele não opõe a essa propagação dessa infecção afectiva uma autonomia espiritual
verdadeira; ele não propõe uma visão heroica de educar-se a si mesmo para ser
um sujeito ético autônomo e maduro por meio da eliminação de bacilos
infeciosos. A única luta é a luta entre boas e más infecções: o próprio
Cristianismo é uma infecção, ainda que – para Tolstói – uma boa infecção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">---</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="mso-ansi-language: PT-BR;">1) Tradução da versão (parcial) do texto em francês: </span><a href="https://tinyurl.com/qq5u43w">https://tinyurl.com/qq5u43w</a>. Versão (completa) em inglês: <a href="http://thephilosophicalsalon.com/monitor-and-punish-yes-please/">http://thephilosophicalsalon.com/monitor-and-punish-yes-please/</a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
2) Benjamin Bratton, comunicado pessoal.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-52539307120000237062018-01-02T14:18:00.001-02:002020-08-04T04:53:07.604-03:00UMA ONTOLOGIA COMO O DIABO GOSTA<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">"Não quero regra nem nada. / Tudo tá como o diabo gosta, tá. / Já tenho este peso, que me fere as costas / e não vou, eu mesmo, atar minha mão. / O que transforma o velho no novo / bendito fruto do povo será. / E a única forma que pode ser norma / é nenhuma regra ter, / é nunca fazer nada que o mestre mandar, / sempre desobedecer, / nunca reverenciar."</span><br />
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"><br /></span><div><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">
Belchior - <i>Como o diabo gosta</i></span></div><div><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"><i><br /></i>
</span></div><div><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"></span></div><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">
</span><iframe allow="encrypted-media" allowtransparency="true" frameborder="0" height="380" src="https://open.spotify.com/embed/track/6e2m4izGvFx89HkNLoi8JD" width="300"></iframe>
<div align="center" class="MsoNoSpacing" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">
</span>
<br />
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">
</span>
<br />
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Em tempos politicamente tenebrosos, retomarmos uma música politicamente tão
intensa quanto a canção de Belchior, “Como o diabo gosta”, é no mínimo salutar.
E embora a música traga em sua poética a política de modo bem explícito,
propomos um roubo, um uso pouco ortodoxo dessa canção, para estender a política
a uma dimensão não tão usual ou não tão popular. Roubamos Belchior não só em
busca de cem anos de perdão, mas para brincarmos de pensar. Roubamo-lo sem querer
interpretar, porém, antes, para experimentar. Roubamos seus versos para jogar
com uma ontologia da diferença como o diabo gosta...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">A ontologia ao longo da história da filosofia foi marcada pelo desejo de
estabelecer o ser do Ser, traçar suas características mais gerais ou a essência
do que rege as coisas e/ou as múltiplas existências. Ao menos essa é a região
da ontologia herdeira de Parmênides, que funda a realidade na ideia do Ser – a
constância da essência das coisas – e toda política que poderia advir daí. E
toda política nessas terras do Ser (ou terras de clausura) não pode ser senão
um “um peso nas costas”, “um atar as mãos”. Por outro lado, numa
contra-história da filosofia, encontramos os Cains da ontologia, os filhos
bastardos e malditos, os herdeiros de Heráclito, para os quais a realidade
funda-se não na constância do Ser, e sim na dinâmica do Devir, do Porvir, do
Vir-a-ser, do Entre-ser, ?-Ser...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Já no primeiro verso de sua canção Belchior diz: “Não quero regra nem nada.
Tudo tá como o diabo gosta, tá”. Não seria divertido ver aí quase um aforismo
nietzschiano a condensar todo um universo em uma frase? A “regra”, como marca
da ontologia do Ser, a prolongar-se em conceitos como o Mesmo, a Identidade, a
Generalização? Foi através destes conceitos que o pensamento ocidental
conseguiu a proeza – e havemos-de admirar o feito – de igualar o desigual,
identificar o não-idêntico, generalizar sobre a multiplicidade do real a
abstração do Ser – uma questão de sobrevivência, é claro. Quem poderia se comunicar,
não fosse essa estrutura linguística capaz de “representar” o que não está
presente? Capaz de dizer “isso é”, quando bem sabemos que as cosias viajam
entre o que já deixou de ser e o que ainda não é? E essa espécie de abismo (<i>Abgrund</i>)
que se forma entre-seres, o diabo não o completa com um nada niilista ou mesmo
heideggeriano. “Não quero regra <i>nem nada</i>”, pois “Tudo tá como o diabo
gosta. E como o diabo gosta?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Bom, que deus seja a ideia máxima de Ser, que a ele sejam imputadas as
características mais nobres de uma entidade tão transcendental quanto
fantasiosa, não nos é novidade. Assim, não é de se espantar que associemos o
diabo a esta outra ontologia do devir. Se brincamos um pouco de <i>personal
etimologist </i>e vamos às origens de “diabo”, temos o grego “<i>diábolos</i>”,
formado por “<i>dia</i>” – separação, divisão, “aqui e ali” – e “<i>bolos</i>”
– algo como “atirar”. Diabo é aquilo que lança para longe a separar, a dividir,
a divergir. A representação, por sua vez, sendo ela fundada no ser, tem
como ferramenta crucial o “símbolo” – “<i>sym</i>” + “<i>bolos</i>”, aquilo que
é lançado junto, ou que lança para um mesmo ponto, a convergir. Ora, nada mais
normal, então, que aquilo que separa – o diabo – tenha adquirido tal carga
moral que bem conhecemos... Carga essa que, nós, a vestir a carapuça de pícaro
e a dançar sob seus guizos, subvertemo-la e fazemos do diabo personagem desse
jogo de pensar doutro modo. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Enquanto o símbolo tem a nobre função de unir, o diabo é aquilo que separa,
que multiplica e, por consequência, impede que caiamos no reino dos monoteísmos
onto-políticos do “<b>é.</b>”. O que o
diabo realmente gosta é de um belo “<b>e...</b>”.
A bailar sobre o pressuposto moral que sustenta não só a religião, mas também a
ontologia ocidental, temos o diabo como essa força que lança ao diverso – bem
outra coisa que a “diversidade” que hoje reina nas bocas de discursos
pré-moldados. E um diabo bem diabólico não seria nem o da contradição
(dialética) hegeliana, nem o da vici-dicção leibniziana, mas antes uma
diferenciação deleuziana e um devir nietzschiano e uma univocidade
spinoziana... e... e... e...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">A traduzir esse ontologês, Belchior diz: “Já tenho este peso que me fere as
costas e não vou eu mesmo atar minha mão”. Ainda que a mente funcione sob as
regras do Ser/Identidade/Mesmo/Generalização e que a linguagem/representação,
daí derivada, seja útil ao ser humano, esse peso nos fere as costas. E se o
verbo fundamental ao nosso pensamento – e portanto, fundamental ao modo de
entender e agir no mundo – é, desde que o mundo é mundo, o verbo “ser”, não
precisamos nós mesmos atar nossas mãos, reduzindo a nossa ação na realidade a
ele.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Todavia, o que aqui propomos, não se trata de uma ontologia da diversidade,
do cada um por si fazendo sua transformação empresarial, sua ego-cultura
neo-liberal, ou consumindo seu próprio <i>lifestyle</i> customizado no <i>Shopping
Center</i> mais próximo. Essa ontologia que roubamos dos versos de Belchior é
uma ontologia do <i>povo</i>: esse múltiplo
não-indiferente, essas diferenças em comunidade, esse diverso que não forma
modelo, uma multidão, diriam ainda alguns. E como tal possui uma dimensão
política crucial: “a única forma que pode ser norma é nenhuma regra ter”, a
única repetição possível – dada a natureza fugidia do devir – é a diferença
(i.e., a única coisa que retorna eternamente é a diferenciação). E assim nesse
jogo, abrimos espaço para que a política, enquanto espaço de transformação <i>real</i>, aconteça – e não a frenética
mudança capitalista que nos põem sempre e de novo no mesmo lugar, como se
andássemos em círculo –, pois “o que transforma o velho no novo bendito fruto
do povo será.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">Se reabrimos a política com a força dessa “ontologia da diferença”, então
nos deparamos com uma ontologia na qual uma “anarquia coroada” acontece: “é
nunca fazer nada que o mestre mandar”. E nessa “anarquia coroada” rejeitamos o
“mestre”, ainda que ele seja um Ser-da-Revolução, um modelo ontológico de
transformação (social). “Sempre desobedecer, nunca reverenciar”, pois, mesmo o
devir em sua “revolução”, pode desdobrar-se em um ser, perverso e moral – nada
garante o devir e o devir nada garante senão devir, a “anarquia coroada” de
nunca haver um mestre ontológico (e por isso político) que precisemos
reverenciar. Havemos-de estar, assim, como o diabo gosta: sempre prontos a nos
separarmos dos fascismos onto-políticos à espreita. E nesse jogo da política da
verdade, que não raro se reduz à politicagem partidária entre absolutistas e
relativistas e cujo tabuleiro encontra-se em uma mesa disposta sobre um chão e
sob um céu que se estendem a perdermo-los de vista, por que não brincarmos de
esconde-esconde?</span><span style="font-family: "times new roman", serif;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
</div>
<span style="font-family: "helvetica neue", "arial", "helvetica", sans-serif;">
</span>Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-41513227564331635402017-12-19T14:35:00.000-02:002017-12-19T15:15:19.420-02:00NOTA SOBRE UM PÁTHOS: E... E... EU... E... T... ET... EU TE... E... TEU... E...<div style="text-align: justify;">
O célebre poema do romeno Ghérasim Luca, “Eu te amo apaixonadamente” (<i>Je t’aime passionnément</i>), é dotado ou nos dota de uma gagueira inexorável e já não permite mais que reproduzamos o amor clichê – ou o clichê d’amor (<i>je t’aime</i>). Rouba-nos a certeza das palavras sulcadas de sentidos-mais-que-perfeitos, transbordando a obviedade. A cada linha tropeçamos nas palavras e nos significados, as frases se quebram e perdemos os sentidos, tamanha a paixão (<i>páthos</i>) evoca. Mas nas rachaduras dos versos, ali onde as palavras trincaram, podemos encontrar novo sentido, um sentido sempre titubeante: somos lançados ou impelidos a nos lançarmos (<i>jettez</i>) ao <i>páthos</i>, a sentir isso que já não se diz apenas como amor/paixão ou algo afim. A paixão (<i>passion</i>) torna-se negação (<i>pas</i>), torna-se passo (<i>pas</i>) que vaga por um caminho (<i>pas</i>) entre montanhas de significados... E que já não fala mais pela representação (de cada palavra encadeada em frase), e sim pela intensidade do gaguejar apaixonado. Ela expressa algo no tropeço e em frente aos olhos dramatiza-se um sentimento que já não pode se reduzir à sensação morna de amor – essa tornou-se algo singular em sua incompletude, algo sincero em sua fragmentariedade, algo presente em sua impossibilidade de fluir nos prados da obviedade. A gagueira de Luca inaugura uma sensação, dá língua a afetos que pedem passagem, dá ouvidos (atenciosos) à singularidade de um amor(-ainda)-sem-nome.
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Poesia completa: <a href="http://editions-hache.com/luca/luca1.html">http://editions-hache.com/luca/luca1.html</a></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ8Mf2AtfI_3JDd7mcwnp6ayW_ZRxxk_TJafXd5Guc1tXuvQIDA0qGDPytTbxusLnM01Kz4l0QuEOjByR5a-jsP68qTU1gU85QLo2rwkkG7aAFrcShbvSt1DwtgPZSe2OALoONQlqkqHY/s1600/LUCA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1254" data-original-width="1254" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ8Mf2AtfI_3JDd7mcwnp6ayW_ZRxxk_TJafXd5Guc1tXuvQIDA0qGDPytTbxusLnM01Kz4l0QuEOjByR5a-jsP68qTU1gU85QLo2rwkkG7aAFrcShbvSt1DwtgPZSe2OALoONQlqkqHY/s320/LUCA.jpg" width="320" /></a></div>
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Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-66575491170515759422016-07-10T17:33:00.001-03:002016-07-10T17:33:34.533-03:00O CORPO É O PONTO ZERO DO MUNDO<div style="text-align: justify;">
“O
corpo é o ponto zero do mundo” (p.14), diz-nos Foucault; o corpo é o
ponto de onde pode se dizer eu sonho, eu falo, avanço, imagino, percebo e
nego as coisas que percebo e que imagino. Ele é um ponto nulo, um
sem-lugar a partir do qual se irradiam todos os lugares possíveis, reais
ou utópicos, homotopias, heterotopias e utopias. Assim, “[t]odas
aquelas utopias pelas quais eu esquivava meu corpo encontravam muito
simplesmente seu modelo e seu ponto de aplicação, encontravam seu lugar
de origem no próprio corpo.” (p.11) Um eterno retorno, do corpo às
utopias e de volta ao corpo, um processo de recriação, do corpo utópico
ao <i>topos</i> que dá, então, lugar ao corpo e o move, muda, desloca; e “[...]
no limite, é o próprio corpo que retorna seu poder utópico contra si e
faz entrar todo o espaço religioso e do sagrado, todo espaço do outro
mundo, todo o espaço do contramundo, no interior mesmo do espaço que lhe
é reservado.” (p.14) Do corpo ao corpo, do pó ao pó. </div>
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REFERÊNCIA</div>
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<br /></div>
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FOUCAULT, Michel. <b>O corpo utópico, as heterotopias / Le corps utopique, les heterotopies.</b> Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. </div>
Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-59328438840000038722016-07-10T14:15:00.003-03:002016-07-10T17:33:22.202-03:00O NAVIO É A HETEROTOPIA POR EXCELÊNCIA<div style="text-align: justify;">
<b>Uma cena.</b> “O navio é a heterotopia por excelência.” (p.30) Penso em outra nau, mas a deixo em suspenso. Volto àquilo que me possibilitou fazer este movimento de uma nau a outra, preciso retornar ao que me permitiu conectá-las, não tanto por uma tábua que se atravessa da lateral de uma embarcação à lateral de outra por sobre o mar; antes, como um gancho que arremesso e se fixa no mastro da outra embarcação e por uma corda, que do gancho se estica, permite-me saltar de um ao outro – um caminho sem volta, é preciso calcular e analisar antes do salto, pois a corda que leva não me traz de volta –; ou ainda, deslizo de um navio ao outro não como tripulante que anda pela tábua ou se lança utilizando a corda, mas como corpo no qual esses <i>topos</i> que são as embarcações se formam, dissolvo-me e torno-me água, adoto o ponto de vista de mar (plano de imanência, plano liso) e assim posso mover-me de um a outro, sem mais os impedimentos que sujeito e objeto implicam.</div>
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<br /></div>
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<b>Outra cena. </b>Criança – “[...] quinta-feira à tarde – a grande cama dos pais. É nessa grande cama que se descobre o oceano, pois nela se pode nadar entre as cobertas; depois, essa grande cama é também o céu, pois se pode saltar sobre as molas; é a floresta, pois pode-se nela esconder-se; é a noite, pois ali se pode virar fantasma entre os lençóis [...]” (p.20). Navegar, viajar, flutuar, devir. Vive-se, movimentos e repousos, deslocamentos e paradas; e de um modo geral há na sociedade uma diversidade de espaços: cafés, metros, ruas, hotéis, casas, fábricas etc.; não obstante, há espaços que não são apenas diversos, são <i>diferentes</i>, são absolutamente outro: conta-espaços ou heterotopias; e “[a]s crianças conhecem perfeitamente esses contra-espaços [...]” (p.20). Cria-se, descria-se, crê-se e crescem sobre a cama, debaixo dos cobertores e desfazem à chegada dos pais, mas “[n]a verdade, esses contra-espaços não são apenas invenção das crianças; acredito nisso muito simplesmente porque as crianças jamais inventam coisa alguma; são os homens, ao contrário, que inventaram as crianças, que lhes cochicharam seus maravilhosos segredos; e, em seguida, esses homens, esses adultos se espantam quando as crianças, por sua vez, buzinam aos seus ouvidos...” (p.20).</div>
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<b>Mais uma cena.</b> E se elas buzinam aos ouvidos dos adultos e lhes devolvem o segredo, seus segredos menores, as crianças não o fazem só: crianças ao Adulto, mulheres ao Homem, animais ao Humano, moléculas à Massa, mitos à Ciência [...] e os loucos, estes que agora, sem lugar para sua loucura, são enclausurados, medicados, (a)normalizados, educados, enfim, adoecem sob a razão. Estes, que tem suas potências utopicizadas, seus corpos <i>homotopicizados</i>, ainda arranjam espaços nestas distopias em que vivem para, como as crianças, <i>heterotopicizar</i>. Eles criam espaços outros entre o manicômio e a doença mental, nos interstícios fazem suas derivas, entre um porto e outro, entre um remédio e outro, entre um veredito e outras sentenças eles traçam linhas de fuga e escapam, mesmo que tenham de continuar no <i>intermezzo</i>, ainda que tenham de atracar aqui ou acolá para outra vez voltarem a navegar. E nesses movimentos de produzir heterotopias, eles fazem um enorme barulho, buzinam aos ouvidos, mas se pode ouvir ali um segredo, um segredo mais profundo, um segredo menor – um segredo que se contou a eles, que se esqueceu e que agora eles fazem lembrar.</div>
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<b>Última cena, primeira cena.</b> “O navio é a heterotopia por excelência.” (p.30) Penso em outra nau, o navio dos loucos, <i>stultifera navis...</i></div>
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<a href="https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a2/Jheronimus_Bosch_011.jpg/321px-Jheronimus_Bosch_011.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a2/Jheronimus_Bosch_011.jpg/321px-Jheronimus_Bosch_011.jpg" width="213" /></a></div>
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<i> <span style="font-size: x-small;">Het narrenschip </span></i><span style="font-size: x-small;">de Hieronymus Bosch</span></div>
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REFERÊNCIA</div>
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FOUCAULT, Michel. <b>O corpo utópico, as heterotopias / Le corps utopique, les heterotopies.</b> Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. </div>
Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8814495809182200852.post-8564141675382535852016-07-10T14:15:00.002-03:002016-07-10T14:16:05.644-03:00PALMAS À PALMEIRA<br />
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<b>PALMAS À PALMEIRA</b><i> </i></div>
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<i>a palmeira estremece</i></div>
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<i>palmas para ela</i></div>
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<i>que ela merece</i></div>
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Eis o poema de rimas pobres e versos simples de Paulo Leminski, que num primeiro momento soa risível em seu jogo de palavras pueril, mas naquilo que reverbera há mais que o risível, há que se ouvir uma gargalhada. Ante ao símbolo desta terra brasileira onde canta o sabiá, esta imagem tropical já tão puída da <i>palmeira</i>, as <i>palmas </i>fazem repetir uma veneração (ufanista?), fazem repetir uma <i>ad</i>miração, fazem repetir uma “miração”, uma mirada, um olhar que estremece, estremece <i>com </i>ela, ou antes que <i>nos </i>faz estremecer. Estremece diante do que ela faz reverberar... “Palmas para ela que ela merece”, dizia Chacrinha (outro clichê dos trópicos com sua suntuosidade carnavalesca em trajes e gestos), “palmas que ela merece” e repete-se outro bordão; e de bordão em bordão tece-se algo que escapa, algo que nos faz rir não da simplicidade das palavras – o inverso, a simplicidade das palavras faz-nos rir das frases feitas que carregam com ela sentimentos pré-fabricados, reações já sabidas, relações esperadas. A simplicidade do jogo (palmas à palmeira, que de palmas já é cheia) é o que estremece e faz verter em nós gargalhadas: de que importa à palmeira isto que o humano chama de “palmas”? No fundo de que importa a ela essa louvação? Ou o destaque em hinos, bandeiras, poemas? Diante de toda simbologia, sentimentalismo e imagética da brasilidade, a palmeira dá de ombros e é, apenas é, é aquilo que é: vida – estremecendo, vibrando; e estremece, estremece-nos, vibramos. Haveria algo de ser mais tropical, mais tropicalista que esta vitalidade da palmeira?
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Então, palmas para ela que ela merece!</div>
Luiz Guilherme Augsburgerhttp://www.blogger.com/profile/01526073683123008456noreply@blogger.com0